APELAÇÃO
São apeláveis tanto as sentenças proferidas em procedimentos contenciosos como as dos feitos de jurisdição voluntária. Também nos procedimentos incidentes ou acessórios, como habilitação, restauração de autos etc., a apelação é o recurso cabível contra a sentença que os encerrar. O mesmo, todavia, não ocorre com o julgamento de simples incidentes do processo, a exemplo da exibição de documento ou coisa e das tutelas provisórias, já q u e in casu ocorrem apenas decisões interlocutórias.
INTERPOSIÇÃO DA APELAÇÃO
O recurso de apelação será interposto contra a sentença (art. 1.009, caput). Como se viu (itens nos 349 e 351, vol. I), a sistemática atual não classifica a sentença em razão do conteúdo das questões nela decididas, mas, sim, em função do momento no qual foi proferida. Se a decisão puser fim à fase cognitiva do procedimento comum ou extinguir a execução (art. 203, § 1º), desafiará apelação. Nessa esteira, ainda que a questão decidida em sentença seja daquelas impugnáveis por meio de agravo, nos termos do art. 1.015, do NCPC, deverá ser interposto o recurso de apelação para discuti-la (art. 1.009, § 3º).
O apelante deve manifestar seu recurso por meio de petição dirigida ao juiz de primeiro grau, que conterá (art. 1.010):
(a) os nomes e a qualificação das partes (inciso I);
(b) a exposição do fato e do direito (inciso II);
(c) as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade (inciso III); e
(d) o pedido de nova decisão (inciso IV).
EFEITOS DA APELAÇÃO
A apelação tem, ordinariamente, duplo efeito: o devolutivo e o suspensivo.
I – Efeito devolutivo
“A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada” (NCPC, art. 1.013, caput). Visa esse recurso a obter um novo pronunciamento sobre a causa, com reforma total ou parcial da sentença do juiz de primeiro grau. As questões de fato e de direito tratadas no processo, sejam de natureza substancial ou processual, voltam a ser conhecidas e examinadas pelo tribunal.
A apelação, no entanto, pode ser parcial ou total, conforme a impugnação atinja toda a sentença ou apenas parte dela. Sendo parcial, a devolução abrangerá apenas a matéria impugnada.
Dentro do âmbito da devolução, o tribunal apreciará todas as questões suscitadas e discutidas
no processo, ainda que não tenham sido solucionadas pela sentença recorrida, desde que relativas ao capítulo impugnado (art. 1.013, § 1º).
Em matéria de efeito devolutivo, portanto, urge fazer uma distinção entre a extensão e a profundidade da devolução:
(a) A extensão é limitada pelo pedido do recorrente, visto que nenhum juiz ou órgão judicial pode prestar a tutela jurisdicional senão quando requerida pela parte (art. 2º).
(b) A profundidade abrange os antecedentes lógico-jurídicos da decisão impugnada, de maneira que, fixada a extensão do objeto do recurso pelo requerimento formulado pela parte apelante, todas as questões suscitadas no processo que podem interferir assim em seu acolhimento como em sua rejeição terão de ser levadas em conta pelo tribunal (art. 1.013, § 1º).
Não são, portanto, apenas as questões preliminares que se devolvem implicitamente. São, também, todas as prejudiciais de mérito propostas antes da sentença e que deveriam influir na acolhida ou rejeição do pedido, ainda que o juiz a quo não as tenha enfrentado ou solucionado (art. 1.013, § 1º).
(c) Efeito translativo: competência originária do tribunal para julgar em instância única o mérito da causa.
Se o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito, naturalmente o objeto da sentença ficou restrito a questão preliminar. Recorrendo a parte para impugnar tão somente o conteúdo do decisório de primeiro grau, não poderia, a nosso ver, o tribunal, depois de cassada a sentença, passar a julgar o mérito da causa, sem que a parte o tivesse requerido. Aí já não se trataria de se aprofundar no julgamento das questões que lhe foram devolvidas pelo recurso, mas de ampliar o seu objeto, dando lhe extensão maior do que lhe emprestara o requerimento da parte.
(d) Vedação de suscitar novas questões de fato
Quanto às questões de fato, a regra é que a apelação fica restrita às alegadas e provadas no processo antes da sentença. O recurso devolve o conhecimento da causa tal qual foi apreciada pelo juiz de primeiro grau. Pode, todavia, ter ocorrido impossibilidade de suscitação do fato pelo interessado, antes da sentença. Assim provada a ocorrência de força maior, poderá o apelante apresentar fato novo perante o tribunal (art. 1.014).
(e) A reformatio in pejus não é admitida, embora omisso o Código. A doutrina é uniforme em repelir o julgamento do tribunal que piore a situação do apelante, sem que tenha a outra parte também recorrido.
II – Efeito suspensivo
A apelação normalmente suspende os efeitos da sentença, seja esta condenatória, declaratória ou constitutiva. “Efeito suspensivo, assim, consiste na suspensão da eficácia natural da sentença, isto é, dos seus efeitos normais”.
Via de regra, a apelação tem o duplo efeito suspensivo e devolutivo. Há exceções, no entanto. O § 1º do art. 1.012 enumera seis casos em que o efeito de apelação é apenas devolutivo, de maneira que é possível a execução provisória enquanto estiver pendente o recurso. Assim, será recebida só no efeito devolutivo a sentença que:
(a) homologa a divisão ou demarcação de terras (inciso I);
(b) condena a pagar alimentos (inciso II);
(c) extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado (inciso
III);
(d) julga procedente o pedido de instituição de arbitragem (inciso IV);
(e) confirma, concede ou revoga tutela provisória (inciso V);
(f) decreta a interdição (inciso VI).
Através de julgamento da Corte Especial, o STJ consolidou seu entendimento acerca da apelação contra sentença terminativa pronunciada diante de “causa madura” para enfrentamento do mérito, de forma originária pelo tribunal de segundo grau. Superando todas as objeções doutrinárias lembradas nos itens 767 e 770.
RECEBIMENTO DA APELAÇÃO
I – Pelo juiz de primeiro grau
A petição da apelação é dirigida ao juiz prolator da sentença impugnada. No sistema do Código anterior, ao recebê-la deveria o juiz declarar os efeitos do recurso (art. 518). O novo Código alterou profundamente essa sistemática, uma vez que ao juiz de primeiro grau coube, apenas, processar o recurso, abrindo vista à parte contrária para contrarrazoar. Depois de realizada essa formalidade, “os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente do juízo de admissibilidade” (art. 1.010, § 3º).
O recebimento da apelação e a declaração de seus efeitos, portanto, são feitos única e exclusivamente pelo tribunal ad quem.
Assim, interposta a apelação, o juiz intimará o apelado para apresentar contrarrazões, no prazo de quinze dias (art. 1.010, § 1º).
II – Pelo tribunal ad quem
Recebido o recurso no tribunal, será ele imediatamente distribuído ao relator, que deverá: (i) pronunciar-se sobre sua admissibilidade, ou não, e seus efeitos (arts. 932, III, e 1.012, § 3º, II); (ii) decidi-lo monocraticamente, se for o caso; ou, (ii) elaborar seu voto para julgamento do recurso pelo órgão colegiado (art. 1.011).
JUÍZO DE RETRATAÇÃO: REEXAME DA MATÉRIA DECIDIDA NA SENTENÇA APELADA POR ATO DE SEU PRÓPRIO PROLATOR
Publicada a sentença, tem-se como encerrada a tarefa de acertamento a cargo do juiz. Torna-se, por isso, inalterável o decisório por ato do respectivo julgador, a não ser que haja erro material ou de cálculo a corrigir ou que tenham sido interpostos embargos de declaração para eliminar obscuridade, contradição ou omissão da sentença (art. 494 do NCPC). A possibilidade de reforma
do conteúdo do julgado depende de interposição do recurso de apelação e somente competirá ao Tribunal de segundo grau, em regra. O efeito devolutivo do recurso, na espécie, redundará no deslocamento da causa para o órgão judicante hierarquicamente superior. A apelação, de regra, é um recurso reiterativo, e não iterativo.
DESERÇÃO
Denomina-se deserção o efeito produzido sobre o recurso pelo não cumprimento do requisito do preparo no prazo devido. Sem o pagamento das custas devidas, o recurso torna-se descabido, provocando a coisa julgada sobre a sentença apelada.
PRAZO PARA INTERPOSIÇÃO DA APELAÇÃO
O prazo legal é de quinze dias, tanto para apelar como para contra-arrazoar a apelação (art. 1.003, § 5º, do NCPC). Em verdade, o NCPC estabeleceu prazo único para todos os recursos, excetuados, apenas, os embargos de declaração. Se, todavia, o prazo é ultrapassado em razão de obstáculo do serviço forense, não pode a parte ficar prejudicada, dado que, durante o embaraço judicial, não flui nenhum prazo.
JULGAMENTO EM SEGUNDA INSTÂNCIA
O tribunal ad quem, antes de apreciar a apelação, deverá decidir os agravos de instrumento porventura interpostos no mesmo processo (NCPC, art. 946).
A competência funcional para julgar o recurso é de câmara ou turma do tribunal, mas o voto é tomado apenas de três juízes, que formam a denominada “turma julgadora” (art. 941, § 2º). 360 Há, porém, possibilidade de o relator, em casos de relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos, propor seja o recurso julgado por um colegiado maior previsto no regimento interno, dando lugar ao incidente de assunção de competência (art. 947).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
Curso de Direito Processual Civil – vol. III / Humberto Theodoro Júnior. 51. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
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